segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Confissões de um Pastor


Confesso que sou jovem demais para um texto de confissões. Ainda que seja curto e sem maiores implicações. Não sei se é prudente. Agostinho escreveu as suas já com alguma maturidade, aos 43 anos de idade, aproximadamente. Considerava-as muito mais uma iniciativa de adoração que de culpa ou auto-exposição. Talvez por isso eu tenha criado coragem: não quero considerá-las qualquer biografia ou descrição de trajetória pessoal, mas uma declaração de fraqueza que honre a Deus e ajude outros, sobretudo os que sentem como senti em vários momentos dessa breve história pastoral.

Confesso que não tinha idéia do peso que acompanha o ministério pastoral. Não apenas aquele que resulta dos sofrimentos em geral, participados pelas pessoas ao pastor em quem confiam e que com elas também sofre, mas aquele que, infinitamente mais pesado, resulta exatamente desta confiança, que faz com que nos vejam como líderes que não somos, cheios daquelas qualidades idealizadas que não temos. Superam-nos, em busca do “pastor”. Não lhes importa nossa juventude; não porque desprezam-na, mas porque não lhes comunica o que deveria. Chamam-nos “pastor” e “senhor”, mesmo que poderiam ser nossos pais. Confiam-nos suas almas de imediato, embora demoremos para nos perguntar: quem somos nós – ou o que temos nós – para cuidarmos de tantas?

Confesso que almejava o lado aparentemente mais glamouroso do ministério pastoral. Acreditava não haver nada mais entusiasmante que a pregação, até começar a lidar com sua real dificuldade: o que dizer, semanalmente, a um mesmo povo, que torna-se cada dia mais exigente e com memória cada vez mais fiel. Erasmo de Rotterdam diria: “odeio o ouvinte de memória fiel”. Cri que daria conta, tranqüilo, dos aconselhamentos, até começar a perceber que o problema das pessoas não é a ignorância sobre as soluções disponíveis, mas uma infinidade de medos a que não temos acesso, senão com muita paciência, acolhimento e amor. Acreditava que organizaria facilmente os ministérios e departamentos da igreja, conforme os muitos manuais à disposição para qualquer tipo de visão eclesiástica, até que comecei a perceber que não é organização que falta à igreja, mas comprometimento.

Confesso que me vi sozinho inúmeras vezes. Encontrei mais concorrentes que amigos entre aqueles que, como eu, lançaram-se ao desafio do ministério. Comportei-me também, muitas vezes, como um competidor, em busca da maior igreja, da mais numerosa membresia, da maior arrecadação e dos melhores contribuintes. Alimentei certa inveja, quando tais resultados se faziam presentes no arraial do colega. Embora tenha sido politicamente correto, sem jamais ultrapassar certos limites éticos e de convivência, reconheço que Deus sabe o que passou em meu coração nessa complicada área das realizações e dos resultados. Chorei diante Dele, mas não pude compartilhar minhas dores. Demorei para encontrar em quem confiar, pessoas que não exporiam meus dramas juvenis para minar as bases de meu pastorado.

Confesso que, desde o começo, faltaram referenciais mais sólidos para a construção de meu caráter. Não somente morais, pois que não foram poucos os escândalos que vi envolvendo pastores e líderes, mas inclusive de paciência e incentivo. Por que os mais velhos não podem relevar a mocidade dos mais novos? Por que exigem tanto? Olham-nos com evidente desconfiança, enciumados, afastando-nos de si mesmos e de seus ambientes de poder ou influência. Não poderiam ensinar-nos? Compartilhar conosco suas experiências e descobertas? Poupar-nos dos mesmos erros que cometeram, para que possamos cometer erros novos? Confesso que precisei de guias mais confiáveis e amorosos, dispostos a abençoar meu ministério sem que desejem se impor sobre mim ou desqualificar-me diante das ovelhas que Deus mesmo me confiou.

Confesso, depois de não muitos anos, que não tenho as respostas que achava ter, lá no começo. Há muitas frustrações e desilusões reservadas para os pastores. Pensei em desistir e, às vezes, até hoje, ainda penso. Creio que Karl Barth tem razão quando diz que “os apóstolos e profetas não querem ser o que são; eles têm de ser. E, todavia, eles são”. Agora entendo quando Tiago orienta a que não muitos de nós aspirem ser mestres. Identifico-me com Jeremias, quando derrama-se diante de Deus, seduzido pela vocação e apavorado com suas implicações, oscilando entre o não querer falar e a percepção de um fogo que o queima até que fale. Deus é um fogo consumidor. Não nos queima por que não somos o que quer que sejamos, mas até que o sejamos. E, assim, vamos de dor em dor, de luta em luta, de fé em fé.

Mas confesso que, apesar de toda angústia envolvida, é maravilhoso estar onde se crê ser a vontade de Deus. O resultado que vale é um coração confiante na graça de Cristo e na vitória de Sua cruz. O caminho Dele também não foi fácil.
Oposições, acusações, traições e negações de toda ordem marcaram sua trajetória terrena. Deus, porém, o exaltou sobremaneira, dando-lhe um nome acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus todo joelho se dobre. A começar pelos nossos joelhos de pastores, nem sempre tão prontos a encontrar o solo da oração e do quebrantamento. Jesus é nosso modelo. Sua humildade e obediência, nossa meta. Seu Espírito, nossa força. Deus é fiel. Cuida de nós e supre nossas carências. Sem falar nas pessoas que levanta para, contra tudo e contra todos, nos abençoar. No fim das contas, são muitas. Não esperam nada em troca e dão-nos o melhor de seus corações. Renovam-nos a esperança e a disposição para seguir em frente. São verdadeiras dádivas, amigos mais chegados que irmãos.

Deus os conserve e a nós, na missão de implantar o Seu Reino e morrer para o mundo. A cada dia. Até aquele dia. Maranata.
Fonte: Instituto Jetro por Marcelo Gomes
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